Sustentabilidade se aprende na escola

02/02/2013 09:52

 

Biólogo e consultor André Leite sugere que os alunos devem se sentir parte do problema para ajudar na solução

 
 

 

 

Ao longo de décadas, as escolas vêm tentando criar nos alunos a consciência sobre a necessidade de cuidar do planeta. O termo “sustentabilidade” no ambiente escolar, no entanto, costuma estar restrito à Educação Ambiental, que ensina como deve ser feita a coleta seletiva, a importância de se preservar a natureza e como utilizar os recursos naturais de forma responsável.

A julgar pelos graves problemas ambientais que o planeta enfrenta hoje, a proposta não parece ter surtido efeito. Por isso, o biólogo André Leite propõe que o tema seja abordado de maneira transversal e relacionado aos conteúdos. Consultor na aplicação de metodologia PBL (problem based learning, ou, aprendizado baseado em problema), Leite ensina professores a desenvolver propostas de educação ambiental que façam do aluno protagonista na solução do problema.

Mais do que levar para a sala de aula projetos de coleta de água, receitas de reciclagem de papel, ele sugere que se trabalhe o contexto histórico e cultural que fez o planeta chegar às condições em que se encontra hoje. “A gente deve procurar fugir do senso comum. Eu não vou falar para o indivíduo jogar o papel de bala no chão, mas entendo que a reflexão sobre o processo de produção daquela embalagem seja mais importante”, explica. Com isso, ele acha possível promover uma mudança comportamental, social, cultural e econômica, que possa salvar o planeta.

Confira abaixo alguns trechos da entrevista que Leite concedeu ao JL.

Na sua avaliação, dá pra dizer que hoje existe uma política de sustentabilidade nas escolas de forma geral?

Está caminhando, ainda no começo. O grande problema hoje é ver a educação ambiental como uma disciplina à parte. É um pouco fragmentado. Grande parte das atividades, dos trabalhos, dos projetos nessa linha de sustentabilidade ainda está associada à educação ambiental e voltada para as disciplinas de biologia, química e, no máximo, física, ciências da natureza. Então, exclui muito a matemática e parte de humanas. Fica muito distante. Eu vejo que já existe um embrião sendo desenvolvido, mas está longe do que se considera o ideal, que seria a sustentabilidade e/ou educação ambiental, fazendo parte da rotina da escola, do meio, e não de disciplinas específicas.

De que forma a sustentabilidade pode ser inserida na grade curricular de forma mais ampla?

Sustentabilidade é um termo abrangente, mas está muito associado à questão de natureza e meio ambiente, o que acabou banalizando esse termo. Quando escuta a palavra sustentabilidade, a maioria das pessoas naturalmente associa a proteger os animais e as plantas. Hoje, efetivamente, o que tem dado resultado é a reflexão, quando a pessoa, independente da faixa etária, se sente parte daquele problema. Por exemplo, discute-se muito na escola o impacto causado pós-lanche. Você vai até a lanchonete, come e gera o lixo. Mas e toda a cadeia produtiva que esse lanche passou pra chegar até ali? E o desperdício de água e energia? E a poluição que produziu? Eu acredito que o resgate da parte cultural, dos hábitos, dos costumes, seja mais importante do que se falar em lixo no chão. Nós vamos mudar esse hábito no futuro se olharmos pra trás e reconhecermos que é a nossa cultura que gera o problema.

Você vem para preparar os professores para esse trabalho. Já existem muitos profissionais com essa consciência?

Já existem bastante profissionais, mas proporcionalmente ainda são poucos os que estão engajados. O mais importante é que professores de outras disciplinas, que teoricamente não têm uma relação direta, estão se envolvendo, se interessando. Então, a ideia é a sensibilização. A partir da sensibilização, as pessoas começam a tomar consciência, refletir para a mudança de hábitos e o desenvolvimento de ações mais efetivas nessa área. Eu gosto muito de usar a palavra sensibilização e não conscientização. Porque consciência todo mundo tem, mas é o indivíduo sensibilizado que tem autonomia para escolher um caminho mais equilibrado.

Que atividades práticas os professores podem realizar com os alunos para promover essa sensibilização?

Falar é muito fácil. Eu nasci em 1975 e, da minha infância até hoje, eu escuto que educação ambiental tem que ser tratada, que as crianças serão o futuro. Quer dizer, eu fiquei velho, continuo ouvindo a mesma coisa e os problemas pioraram. Que tipo de trabalho foi feito que não teve resultado? A proposta é usar o aluno como protagonista do processo, a partir da sensibilização. Então, os projetos têm três etapas: sensibilização, contextualização e desenvolvimento.

E como ocorrem essas três etapas?

No primeiro momento, da sensibilização, pode se fazer visitas, exibir documentários, portfólio de imagens, músicas. Uma proposta é usar imagens com um texto e uma música de fundo que tenha relação com o assunto. A sequência de imagens é um pouco deprimente. Normalmente as crianças saem chorando da sala, mas a ideia é mesmo sensibilizar. A partir da sensibilização, ele precisa do contexto para se inserir naquilo que acabou de ver. A partir do reconhecimento da sua postura, ele vai desenvolver uma ideia, um projeto, que possa minimizar o impacto na comunidade. Acredito que, com isso, a gente saia dos clichês e torne os alunos responsáveis através de um desafio, ou seja, o problema está aí, você tem capacidade suficiente para criar o que minimiza isso. Então, jogando a responsabilidade na mão do aluno, estando ele sensibilizado, fica mais fácil.

Com isso, você acha que vamos ter melhores resultados no futuro do que tivemos até hoje?

Acredito que podemos criar profissionais, engenheiros, por exemplo, que podem trabalhar na produção de uma linha de energia alternativa, seja ela radioatividade ou eólica. Cabe ao indivíduo que foi formado de uma forma sistêmica reconhecer e escolher o caminho a investir. A gente espera, com esse trabalho de raiz, que nossos futuros engenheiros e outros profissionais, possam escolher formas que prolonguem a vida das gerações futuras e fazer valer aquela história de deixar para as gerações seguintes aquilo que a gente tem hoje.

E como começou esse trabalho de sensibilização?

Começou em 2000, numa unidade de conservação em São Paulo, que é o Parque Estadual de Campos do Jordão. Lá eu pude coordenar um projeto chamado Meninos Ecológicos e foi onde eu percebi diretamente o que o adolescente e a criança pensa e espera de um orientador. Eu tive muito mais resultado desafiando do que impondo uma série de leis e regras ecologicamente corretas. Ali eu pude conhecer a palavra resiliência, onde o sujeito se desmonta, se olha de fora e se reorganiza para que o futuro seja um pouco mais agradável. A palavra resiliência é muito forte na sustentabilidade. Todo mundo tem o direito de se desmanchar e se reerguer de uma forma diferente.

Fonte: Jornal de Londrina